Análise | Alegado roubo de energia pelo deputado Rui Semedo: um caso de veredicto antes do julgamento


Foto via: Inforpress


Desde há duas semanas, um assunto tem marcado a imprensa e o país; trata-se do alegado roubo de energia elétrica pelo deputado da nação e vice-presidente do PAICV, Rui Semedo.


O PAÍS

No passado 8 deste mês, o jornal online O PAÍS publicou um breve artigo intitulada ROUBO DE ENERGIA: Deputado Rui Semedo autuado pela Electra (1).

Nessa publicação, o jornal afirma que o deputado Rui Semedo, “está a contas com a Justiça, por um alegado envolvimento num esquema de roubo de energia“, e que esse suposto esquema de roubo “terá lesado os cofres da Electra em centenas de contos”.

Ainda segundo o mesmo artigo, o caso teria sido descoberto pela ELECTRA no dia anterior à publicação da notícia, “na sequência de uma inspeção à rede de energia que vai à residência do Deputado, na Cidadela.”

O deputado terá sido então autuado e o processo seria encaminhado à Procuradoria Geral da República para resolução.


Rui Semedo

Em resposta, no próprio dia, Rui Semedo respondeu, através de uma publicação no Facebook intitulada “NOTA DE ESCLARECIMENTO DO DEPUTADO RUI SEMEDO NA SEQUÊNCIA DO FAKE NEWS DADO À ESTAMPA NO ON-LINE "O PAÍS"” (2).

A nota de esclarecimento começa afirmando que “Aconteceu o que eu já esperava”.

“Ontem na minha ausência, sempre na minha ausência, profissionais na Electra, a pretexto de mudança de contador, resolveram dizer que havia ligação irregular na casa onde resido.”, segue.

O deputado fala sobre a importância do nome que criou e em como não o mancharia por aquilo que designou de uma “porcaria”.

Ele acusa a ELECTRA de ser “a única responsável por esta situação” e justifica listando uma série de observações, entre as quais as de que“ a Electra é a responsável pela caixa onde estão ligados os dispositivos”, e que ela [a ELECTRA] “é quem tem acesso à caixa”. Suspeita ainda que “a Electra que lavrou o auto de irregularidade, na presença dos seus profissionais o que me leva a concluir que ela mesma levou a questão a este jornal”.

O deputado denuncia ainda uma conspiração dizendo que “alguém quis montar uma cabala” contra a sua pessoa.

“Posso ir à justiça a pedido da Electra mas ela também vai ter que responder na Justiça, pelos seus actos. Vou constituir um advogado para apresentar uma queixa crime contra os responsáveis por este acto sórdido.”, lê-se nas últimas linhas da publicação.


ELECTRA

Entretanto, dois dias depois, a empresa de eletricidade e água, ELECTRA, emitiu um comunicado de imprensa (3), em direito de resposta, confirmando que, de facto, procedeu a uma vistoria à residência do deputado, no dia 7, e que na sequência desta constatou que havia uma anomalia.

“A instalação eléctrica da residência referida previa uma alimentação trifásica. Até à data última inspecção existia um contador para uma fase e que alimentava cerca de um terço da energia consumida, passando as duas fases directamente para a instalações eléctricas da residência, através de dois disjuntores limitadores de potência sem passar por qualquer sistema de contagem. Portanto, da inspecção realizada confirmou-se que haviam dois fios que vinham do interior da residência, ligados directamente à rede pública de distribuição da concessionária, o que demonstra que esta ligação adicional é fraudulenta.”, diz o comunicado.

O comunicado especifica que “Do contador instalado na residência havia uma fase que passava pelo mesmo, registando-se uma carga instantânea de 0,92 amperes, enquanto existiam duas outras fases que passavam directamente para o interior do edifício, por via de dois disjuntores limitadores, registando, respectivamente, no momento, as seguintes cargas: Fase 2 com 1,06 amperes e Fase 3 com 1,48 amperes.”

Da constatação da anomalia “resultou a elaboração do respectivo auto de vistoria, de conformidade com o regime jurídico de combate ao furto e à fraude de energia eléctrica (Lei n .º 73/VIII/2014).”

Ainda em resposta direta às afirmações de Rui Semedo sobre a caixa com o contador, a empresa afirmou que “A portinhola é da responsabilidade da Concessionária, mas a caixa do contador é zona fronteira da instalação eléctrica, acessível ao cliente de modo a controlar os seus consumos, devendo cuidar e guardar todo o sistema de contagem e limitação de potência.”


Análise

Embora tenham circulado várias publicações nas redes sociais condenando o deputado pelo sucedido, não parece haver qualquer publicação que fizesse uma análise global do noticiado. Apresentamos aqui uma análise mais demorada daquilo que foi dado a conhecer ao público até o momento.

Quais são os factos até o momento?
Segundo a ELECTRA, houve ligação fraudulenta na residência do deputado Rui Semedo. E a ELECTRA passou um auto, conforme a lei. 

Também é um facto que, segundo o jornal Inforpress (4), Rui Semedo disse que vai queixar-se nas instâncias judiciais e na Autoridade Reguladora para a Comunicação Social (ARC) contra o jornal que publicou a notícia de forma “ilegal e abusiva” e que “tenta conspurcar o seu bom nome e sua integridade moral.”

Ainda no mesmo artigo da Inforpress, “A notícia faz questão de me tratar, desde logo, como alguém que roubou energia eléctrica, emitindo juízos de valor, tirando conclusões, me julgando e me condenando na praça pública, sem sequer verificar as fontes e sem nunca se ter preocupado em ouvir o contraditório, como mandam as regras do jornalismo”, constatou.

Pode o deputado processar o jornal O PAÍS?
Analisemos a lei; analisemos a Constituição da República.

Existe um artigo da Constituição da República que tem especial importância neste análise; o Artigo 59º. Dentro do artigo mencionado, intitulado "Liberdade de imprensa", no ponto número 2 lê-se: “À liberdade de imprensa é aplicável o disposto no artigo 47º”.

O que diz o artigo 47º? Este é o artigo da "Liberdade de expressão e informação". Para além de salvaguardar a liberdade de expressão, esse artigo também define os limites da liberdade de expressão. No ponto número 4, afirma que “A liberdade de expressão e de informação não justifica a ofensa à honra e consideração das pessoas, nem a violação do seu direito à imagem ou à reserva da intimidade da vida pessoal e familiar.”, e no ponto 6 que “As infracções cometidas no exercício da liberdade de expressão e informação farão o infractor incorrer em responsabilidade civil, disciplinar e criminal, nos termos da lei.”

O ponto 4 é um argumento clássico em casos de acusação de difamação.

Mas, vamos analisar se o que sucede aplica-se ao caso do deputado Rui Semedo. Vamos analisar o artigo do jornal O PAÍS.

O artigo é intitulado “ROUBO DE ENERGIA: Deputado Rui Semedo autuado pela Electra”, e o primeiro parágrafo começa por dizer que “Vice- Presidente do PAICV e antigo Ministro vai ser levado à Procuradoria para justificar sua atitude que lesou os cofres da Electra”.

Segundo o jornal Inforpress, que cita o deputado, depois de muitas “voltas e viravoltas” fez-se o corte, o auto que foi assinado pelo titular da conta que é a sua filha, proprietária da casa.

Esta é uma informação que pode ser verificada junto da ELECTRA ou da Procuradoria Geral. Entretanto, se o que diz Rui Semedo for verdade, ou seja, que a filha assinou o auto, como titular da conta, e, portanto, a filha é quem terá sido autuado, e não o pai (Rui Semedo), de facto o noticiado pelo jornal O PAÍS constitui informação incorreta, ou, no pior dos casos, uma informação falsificada, que poderá cair nas alçadas dos pontos 4 e 6 do Artigo 47º da Constituição da República.

O comunicado de imprensa da ELECTRA afirma no seu ponto 5 que “Todas as situações anómalas são tratadas no quadro atrás referido (elevados padrões de ética e profissionalismo), dando conhecimento ao cliente que assina o auto, remetendo-o de seguida ao Ministério Público para efeitos de procedimento criminal, nos termos da Lei.”

Quanto á afirmação de Semedo de que o jornal procedeu “sem sequer verificar as fontes e sem nunca se ter preocupado em ouvir o contraditório, como mandam as regras do jornalismo”, o jornal também não demostra em qualquer ponto do artigo ter procurado confirmar a informação junto de fontes oficiais ou junto do deputado.

Isso não quer dizer, no entanto, que o jornal é obrigado a revelar suas fontes. Na verdade, o número 8 do Artigo 59º é claro quando diz que “Aos jornalistas é garantido, nos termos da lei, o acesso às fontes de informação e assegurada a protecção da independência e sigilo profissionais, não podendo nenhum jornalista ser obrigado a revelar as suas fontes de informação.” Não obstante, a falta de consultas demonstra uma falha na ética e profissionalismo jornalísticos.


Sobre o procedimento do deputado Rui Semedo

É desconhecido o motivo da afirmação do deputado de que “Aconteceu o que eu já esperava”. Porquê esperava ele que isso acontecesse?

“Sabendo o que se passa nas empresas públicas, e quem está próximo do jornal onde foi publicada a notícia, tudo indica que esta é a forma escolhida para tentar calar e silenciar o PAICV, na oposição”, defendeu Semedo, lembrando que esta forma de actuar é “bem conhecida através das práticas nos idos anos 90”, cita o jornal Inforpress.

Esta é uma acusação à qual o deputado não apresenta fundamentos ou nomes específicos. Ele poderá também ser responsabilizado por esta afirmação, segundo o mesmo Artigo constitucional mencionado acima.

“Terceiro a Electra é a responsável pela caixa onde estão ligados os dispositivos; Quarto a Electra é quem tem acesso à caixa”. A ELECTRA refutou este argumento no seu ponto 3, dizendo que “A portinhola é da responsabilidade da Concessionária, mas a caixa do contador é zona fronteira da instalação eléctrica, acessível ao cliente de modo a controlar os seus consumos, devendo cuidar e guardar todo o sistema de contagem e limitação de potência.”

O que se segue deste evento deve ser conhecido nos tempos vindouros.


:: Fredilson Melo


Referências

1. ROUBO DE ENERGIA: Deputado Rui Semedo autuado pela Electra (https://opais.cv/roubo-de-energia-deputado-rui-semedo-autuado-pela-electra/08/08/2018/)

2. NOTA DE ESCLARECIMENTO DO DEPUTADO RUI SEMEDO NA SEQUÊNCIA DO FAKE NEWS DADO À ESTAMPA NO ON-LINE "O PAÍS" (https://www.facebook.com/GPPAICV/posts/556753964742573)


4. “Considero a minha imunidade levantada para ser julgado e procurar que os meus algozes sejam julgados” – Rui Semedo (c/áudio) (http://www.inforpress.publ.cv/considero-a-minha-imunidade-levantada-para-ser-julgado-e-procurar-que-os-meus-algozes-sejam-julgados-rui-semedo/)

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