Revisão | Governo e Presidente da República divergem sobre concertação no processo do acordo SOFA

Na edição impressa nº 874 do jornal Expresso das Ilhas, publicada na 4ª feira passada (29 de agosto), o Presidente da República, Jorge Carlos Fonseca, fez manchete com a afirmação de que conheceu o SOFA (Status of Force Agreement) “já depois de ser assinado”, e que aquilo “não é normal.”[1] A entrevista completa está agora disponível na website do Expresso das Ilhas.[2]

Imagem via: Expresso das Ilhas
                                 
Na entrevista, Jorge Carlos Fonseca afirmou que se pronunciou “publicamente quando o Governo estava a negociar ou assinou o acordo SOFA com os EUA” e que disse que “deveria haver, nessas matérias, uma articulação entre Governo e Presidente da República, o que não existiu.”

O Presidente avaçou a tese de um acordo ser aprovado por um Governo, aprovado pelo Parlamento, mas depois não ser ratificado pelo Presidente, acrescentando que “Em termos de credibilidade internacional, pode criar desconfianças”.

Em resposta à pergunta se a articulação [do Governo com o Presidente] tinha falhado no caso concreto do SOFA, o presidente respondeu:


Falhou. Pronunciei-me publicamente, o Governo respondeu dizendo que eu tinha a informação toda ou suficiente, eu não quis ripostar, mas naturalmente que eu não tinha informação. Não ia dizer que não tinha, tendo-a. Eu vim conhecer o acordo já depois de ser assinado. Isso não é normal, não é desejável.

Ainda no âmbito da entrevista, o Presidente garantiu já ter uma decisão sobre o SOFA e que vai pronunciar-se “muito brevemente” numa comunicação aonde explicará a sua posição, antes de partir para a Assembleia-Geral das Nações Unidas, que se realiza em outubro, em Nova Iorque, nos EUA.


Em resposta à afirmação do Presidente, o Ministro dos Negócios Estrangeiros, Luís Filipe Tavares, garantiu, em uma entrevista à rádio RCV, no mesmo dia, que o Presidente foi informado antes da assinatura do acordo SOFA.[3]

Queria dizer, em nome do Governo, que todos os sujeitos políticos foram informados antes da assinatura do SOFA.


                


No dia seguinte, 30 de agosto, o ministro reiterou a sua posição afirmando que o que disse “é a verdade e disse com total tranquilidade e serenidade em confiança e o primeiro-ministro sabe que o ministro dos Negócios Estrangeiros é uma pessoa responsável”.[4]

No Sábado (1 de setembro), o Primeiro-Ministro reagiu às notícias da contradição, alegando que entre o Governo e o Presidente da República pauta-se pela “cordialidade, institucionalidade, maturidade democrática e respeito”, numa breve publicação no Facebook, intitulada “NÃO HÁ CRISE POLÍTICA”. A publicação não revelou, no entanto, a posição do Primeiro-Ministro no que toca às duas afirmações contrastantes.[5]

                     


Contextualização

SOFA
[6]

O SOFA dos EUA é um compromisso escrito que salvaguarda o estatuto do pessoal do Departamento de Defesa (DoD, em inglês) dos EUA, e do pessoal contratado por este, enquanto se encontrarem em território estrangeiro. Entre os vários benefícios desse acordo, para os EUA, estão a proteção criminal do pessoal do DoD – as jurisdições civil e criminal recaem sobre os EUA, isenção de impostos, taxas alfandegárias, licenciamento, autorização para livre circulação de pessoal e mercadorias/equipamentos (designados propriedades), entre outros.


A 25 de setembro do ano passado, o Governo assinou, pelas mãos do Ministro dos Negócios Estrangeiros, e na presença do Primeiro Ministro, um acordo SOFA com os Estados Unidos da América. A 29 de junho deste ano, o Parlamento aprovou o SOFA, com votos favoráveis do MpD (partido que suporta o Governo), tendo os partidos da oposição (PAICV e UCID) abstido, alegando existirem algumas dúvidas sobre a constitucionalidade de tal acordo.


Antecedente


Os desenvolvimentos recentes, originados pela entrevista do Presidente da República publicada a 29 de agosto no jornal Expresso das Ilhas, traça um paralelo com os eventos das vésperas da assinatura do acordo SOFA, com o Presidente da República e o Governo a manter posições contraditórias.

Às vésperas da assinatura do acordo SOFA, o Presidente afirmou, em uma declaração a jornalistas, que não deu consentimento prévio ao acordo e visou mais concertação neste tipo de matérias.[7]

“Nas matérias em que se exige a intervenção em momentos diferentes de diversos órgãos de soberania, é sempre prudente e positivo que haja alguma concertação”, cita o jornal online português Observador.
[8]

O Presidente Fonseca afirmou conhecer os termos do acordo e que não tinha manifestado nenhuma oposição de princípio, mas acertou sobre a necessidade de “haver acompanhamento das próprias negociações e, em certos casos, o assentimento prévio do chefe de Estado para que na altura da ratificação não haja situações”.
[8]

“Não é bom para o país se vier a acontecer o Governo assinar um acordo, o parlamento aprovar com pompa e circunstância e depois não haver ratificação e o acordo não vigorar”, cita o Observador, indicando ainda que a o Presidente adiantou que essas declarações são “uma observação pedagógica”, mais do que crítica.


Em reação a essas afirmações, que foram retratadas como um recado, o Primeiro-Ministro, Ulisses Correia e Silva, disse, numa entrevista à RCV, que o Presidente foi “devidamente informado” e que tinham estado em concertação [o Governo e o Presidente da República], e ainda se dispôs a prestar esclarecimentos adicionais, em caso de haver necessidade de tal, “como já tomámos iniciativa de fazer”.[9]

O Primeiro-Ministro ainda refutou a ideia de as afirmações do Presidente terem sido um recado, uma vez que tinham “mecanismos de concertação direta com o Presidente da República”, dispensando a comunicação social como intermediário [entre os dois órgãos soberanos].[8]


:: Fredilson Melo


Referências


1. Destaques da edição 874 (Expresso das Ilhas)

2. “Conheci o SOFA já depois de ser assinado. Isso não é normal” (Expresso das Ilhas)

3. Presidente da República foi informado e recebeu o texto do SOFA antes da assinatura do documento (RCV)

4. Primeiro-Ministro garante normalidade das relações com o PR, "a bem da Nação" (Expresso das Ilhas)

5. NÃO HÁ CRISE POLÍTICA (Facebook)

6. Uma análise do Status of Force Agreement Cabo Verde-Estados Unidas da América (Fredilson Melo)

7. PR afirma que não houve consentimento prévio sobre o acordo SOFA (A Nação)

8. Cabo Verde. PM diz que PR foi devidamente (Observador)


9. "Presidente da República foi devidamente informado sobre o acordo com EUA" diz Primeiro-ministro Ulisses Correia e Silva (RTC)
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